Porto - transição ou continuação?

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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008


O FC Porto é o segundo cliente deste espaço de análise, construído no sentido descendente, segundo a tabela classificativa do Mais Futebol.

Uma equipa que venceu o último campeonato com uma vantagem de 20 pontos para o segundo classificado, só poderia ser considerada a principal favorita à revalidação da conquista. Tal premissa seria uma verdade absoluta se o Porto não tivesse deixado sair três dos principais artífices do rendimento apresentado na época passada: Bosingwa, Assunção e Quaresma. Assunção era o pêndulo, o centro de todo o futebol do Porto, na fase defensiva, na fase ofensiva e nas suas respectivas transições. Por aqui se percebe a sua importância. Quaresma, mesmo que na época passada estivesse algo abaixo daquilo que pode e sabe fazer, continuava a ser o homem que colocava sempre junto de si dois adversários, um dos principais flanqueadores de jogo e um homem capaz de decidir um jogo. Bosingwa era a locomotiva. Um homem que conseguia fazer sozinho um corredor, permitindo derivações para o centro (criando superioridade numérica) do homem que jogasse à sua frente, factos que não o impediam de cumprir bem as tarefas defensivas.

A verdade é que nada disto é pouco. Estes homens representavam 30% do futebol do Porto, e nessa percentagem estavam incluidas diversas nuances que apenas as características dos próprios lhes permitiam desempenhar. Ora por aqui se vê a tarefa que Jesualdo Ferreira teria pela frente. Não direi que seja tão complexa como por exemplo a de Quique Flores, porque o treinador do Porto já orientava grande parte do seu elenco actual, estando portanto alguns dos seus jogadores já familiarizados com as suas ideias, mas, mesmo não tendo que implementar um novo modelo, algumas nuances teve que promover.
Admito que na sua óptica nem tudo fossem más notícias. Afinal, pode agora, com algumas das alterações efectuadas, aplicar de forma mais conveniente e com mais sucesso (Alvalde e Turquia por exemplo) um 4x4x2 que tentou em diversas vezes. Até porque que onde antes tinha Marek Cech, agora tem Tomás Costa, onde tinha Quaresma agora tem Cristian Rodriguez (mesmo que o português seja indiscutivelmente melhor jogador). Apesar de tudo é a partir do 4x3x3 que Jesualdo tem feito a equipa alinhar na maior parte dos jogos.

Helton é dono e senhor da baliza. Mesmo que o seu excesso de confiança (traduzido em algumas falhas) lhe tenha valido alguns jogos na bancada, a sua elasticidade, a facilidade em interceptar bolas aéreas e a qualidade com a bola nos pés, dão confiança à defesa, permitindo-lhes também jogar uns metros mais à frente.
No centro da defesa, o sempre impetuoso Bruno Alves, um dos bons centrais do nosso campeonato, é indiscutível. É um dos principais portadores da famigerada mística portista (não é por acaso que veste a camisola 2), e oferece soluções importantes nas bolas paradas ofensivas, quer em cantos, quer nos livres directos - embora ainda não seja o batedor que alguns querem fazer crer. Defensivamente, é praticamente intransponível em bolas altas, forte no um para um, embora quando desviado para zonas mais laterais, tenha algumas dificuldades. A seu lado o ex-Belenenses Rolando já conquistou o lugar. Paulatinamente tem vindo a melhorar o seu posicionamento, e faz uso da sua velocidade para dobrar muitas vezes os seus companheiros. Apesar de tudo, de certa forma ainda precisa de melhorar a sua leitura de jogo, mas numa escola de bons centrais como a do Porto não deverá ter dificuldades.
Nas laterais é diferente. É talvez o ponto mais débil deste Porto. Se de Lino e Benitez não há muito a dizer, porque até ao momento ainda não apresentaram rendimento para fazer parte de uma grande equipa, Pedro Emanuel continua o mesmo. Quando joga, é a voz de comando da equipa. A idade já não lhe permite o mesmo vigor físico, não tem a cultura de lateral, mas a sua presença é importante. Porque defensivamente fecha sempre muito bem junto aos centrais, e, quando a equipa se encontra em processo ofensivo, permite mais liberdade ao lateral contrário. Que actualmente é Fucile. Ganhou o lugar ao romeno Sapunaru, jogador no qual os portistas tinham depositado naturais esperanças, como substituto de Bosingwa, mas que demonstrou, apesar de ser bom tecnicamente, ser ainda algo macio e ingénuo. Fucile ganha muito com a presença de Pedro Emanuel precisamente pelo que referi atrás. Sendo mais forte a atacar do que a defender, o uruguaio sente-se mais confortável e melhora os seus desempenhos, aproveitando muitas vezes o facto de não ter ninguém à sua frente, porque quer Lisandro quer Hulk procuram muito o centro.

À frente da defesa, o brasileiro Fernando. Muitos esperam a todo o custo que se torne o novo Paulo Assunção, mas ninguém se deve esquecer que ainda na época passada jogava no Estrela da Amadora, muitas das vezes a lateral direito. No entanto, Fernando tem qualidade. Não terá propriamente as mesmas características de Assunção. Arrisco a dizer que não sendo naturalmente tão bom no processo defensivo, mostra pormenores que me fazem acreditar que ofensivamente é melhor jogador. Principalmente a nível do passe. Mas para o lugar de 6 no seu modelo, Jesualdo não quererá por certo grandes veleidades ofensivas. O professor pretenderá antes uma melhor cobertura do espaço, uma pressão inteligente e orientada para recuperar e sair a jogar com bola, um apoio aos centrais, um encurtar distâncias e melhorar a ligação entre a defesa e o meio campo. Por isso Assunção era um "5", Fernando é um "6", não desempenhando estas funções com a mesma qualidade. Mas tem potencial e tem vindo a crescer. Raul Meireles mais sobre a esquerda, joga à sua frente. É um médio típico do Futebol Total, colocando sempre grande intensidade no seu jogo, percorrendo cada quadradinho de relva, procurando cada bola. Passa, recebe, a equipa progride e ele muitas vezes surge na zona de finalização onde pode aplicar o seu forte pontapé. É o médio mais pressionante deste Porto. A seu lado e ligeiramente mais adiantado, Lucho Gonzalez. Podem vir tentar explicar as suas menos conseguidas exibições, com o facto de actualmente estar a desempenhar papéis diferentes em campo. Certo, tudo isso é verdade. Não há mais Paulo Assunção, e Lucho tem também de preocupar-se em equilibrar mais a equipa. Há Hulk mais a frente para combinações mais frequentes com Lisandro, e Lucho não aparece tanto em zonas de finalização, por permutas com o compatriota. Mas indiscutivelmente o argentino está em baixo de forma. Tem vindo a falhar alguns passes, algo absolutamente invulgar nele, não coloca tanta intensidade em campo (mesmo que não seja uma das suas principais características) e dá impressão que não procura tanto o jogo, para depois o ajudar (e como sabe ajudar) a decidir. Provavelmente um abaixamento de forma temporário, mas mais do que o Porto, o nosso campeonato precisa dele, ou não fosse o melhor jogador a actuar em Portugal.

À frente, habitualmente, um trio. Mais sobre a esquerda Rodriguez. O uruguaio foi contratado como substituto de Quaresma, mas tal facto é uma utopia. São jogadores completamente diferentes. Rodriguez coloca o jogo num nível mais físico e não tão técnico. Olhos no chão, progride metros com a bola desviando-se dos obstáculos, fazendo uso principalmente do "toca e foge". É um bom transportador de bola, aparece bem em situações de finalização, mas peca em relação a Quaresma em dois aspectos: não consegue alargar o jogo, e dificilmente decide um jogo sozinho. Apesar de tudo e como referi acima, veio proporcionar a Jesualdo Ferreira uma melhor explanação do 4x4x2, com fogachos de 4x3x3 (em fase ofensiva). Ele e Tomás Costa são os jogadores que melhor permitem este estado híbrido. Lisandro continua o mesmo. É certo que a presença de Hulk, enquanto não se vão entendendo, não lhe permite explanar o seu jogo a 100%. Agora aparece mais vezes no lado direito, muitas vezes mais longe da baliza, aproveitando menos a inteligência de jogo de Lucho. No entanto a raça está lá, a incrível facilidade de remate com os dois pés, o bom jogo de cabeça, o saber iludir as marcações, o permanente recuo para ir buscar o jogo, não sendo um avançado passivo e o também muito importante facto de ser o primeiro defesa da equipa. Depois Hulk. Ele que juntamente com Aimar tem sido provavelmente o jogador mais discutido deste campeonato. Lembro-me que quando chegou, numa altura em que para as bandas do Dragão se falava, por exemplo, de Simão e Adriano, a maior parte dos adeptos do Porto olhou-o de lado. Os adeptos rivais rejubilaram com a contratação e o valor dispendido. Hoje já não é bem assim. Em grande parte devido ao trabalho que Jesualdo Ferreira tem feito com o brasileiro. Hulk acaba por fazer jus ao nome. Num futebol actual onde este aspecto assume muita importância, a sua capacidade física é impressionante. A velocidade também. É uma tarefa quase impossível tirar-lhe a bola que leva colada ao pé esquerdo. Muitas vezes, tal como Rodriguez, de olhos colados no chão. Mas Hulk é diferente, tem mais técnica e é capaz de decidir jogos. Falta-lhe talvez o mais importante. Pôr o talento ao serviço do colectivo. É nesse aspecto que o treinador do Porto mais tem trabalhado, é esse aspecto que muitas vezes deixa Lisandro num autêntico ataque de nervos, por estar em melhor posição e ver Hulk a levar adiante uma jogada individual que sai frustrada. A sua inteligência de jogo tem que melhorar (e tem vindo a melhorar) para que possa ser um grande jogador. Até isso acontecer vai sendo um jogador com enorme potencial, com um incrível pontapé, que tem ajudado a crescer o Porto, mas que muitas vezes leva a equipa por caminhos errados. No entanto, é indiscutelmente por Hulk, que passa um dos caminhos para um Porto melhor nesta época.

O plantel do Porto não fica por aqui. Tem um suplente de luxo, chamado Tomás Costa. Um grande jogador, fortíssimo tacticamente, com capacidade técnica, e que põe a intensidade das pampas em campo. Sempre às portas do 11. Stepanov é um dos que está próximo da saída, não conseguindo fazer jus aos 4 milhões de euros nele investidos. No entanto penso que o Porto não se quererá desfazer definitivamente dele, até porque o que lhe falta em solidez mental, sobra em capacidade. Ainda muito para evoluir. Com Nuno no plantel Jesualdo pode contar com um elemento que não deixa Helton adormecer à sombra da bananeira e que é ao mesmo tempo uma força no balneário. De Pelé algo está por trás da sua ausência do jogo. Potencial não lhe falta, mas parece não estar completamente comprometido com a equipa e quando assim é, torna-se difícil. Guarín, é outro bom suplente do Porto. Jesualdo experimentou-o como homem mais recuado mas o colombiano não tem a cultura dessa posição. Terá que ter alguém nas costas para se sentir mais confortável. E aparecer nas imediações da área adversária, onde se costuma sentir confortável. Candeias, é o extremo mais puro deste Porto. Formado nas escolas do clube, tem demonstrado bastante potencial devido a uma habilidade técnica acima da média. Pode ser uma solução importante para determinadas situações. Tarik nem tanto. Jesualdo conseguiu tirar dele (principalmente) na época passada um rendimento que muitos não achariam possível. Nesta as aparições do marroquino têm sido diferentes. É certo que começou lesionado, que há o Ramadão, mas desconfio que não vá ser figura de proa neste Porto. Mariano será algo mais. O argentino pensa mais depressa que aquilo que as suas capacidades técnicas permitem, e por isso é muito trapalhão. Mas a sua versatilidade, o seu querer, farão com que apareça em bastantes jogos, muitos deles vindo do banco. De Farías uma incógnita. Quase sempre que joga, marca. Apesar disso o seu rendimento em campo nunca é excepcional. Alguns jogos são mesmo muito fracos. Provavelmente por isso não aparece tantas vezes em campo. Porque se olhássemos apenas para as estatísticas, o argentino andava na linha da frente.

Em suma, o Porto ficou a perder nas trocas de Bosingwa por Sapunaru, de Assunção por Fernando, de Quaresma por Rodriguez e também, devo dizê-lo de Carlos Azenha por José Gomes ( a nível de postura e de conhecimento). Mas ganhou entre outros, Tomás Costa e Hulk. E é pelo equilíbrio que Jesualdo Ferreira conseguir dar aos pratos da balança que passará grande parte do sucesso do Porto.
A equipa mantém-se muito pressionante, não dando grandes espaços para o adversário jogar, melhorou nas bolas paradas ofensivas, o meio-campo continua a articular-se com inteligência. Mas não explora ainda de forma conveniente o jogo lateral, e muitas vezes define mal na hora de atacar. Defensivamente, ainda existem algumas descoordenações, naturais porque não havia Rolando e Fernando a época passada. Apesar de tudo, temos aqui mais um forte candidato ao título.

1 comentários:

Unknown disse...

Mais uma vez uma boa análise.
Parabéns deste leitor cada vez + frequente!
AIDOS